Inspiração Bíblica e Dados Científicos


Figura: "Como era a terra segundo a visão de mundo presente na Bíblia". Havia um firmamento no céu, que retinham as águas que eram armazenadas sobre os céus, sustentado pelas montanhas, e um firmamento na terra sustentado por colunas. Abaixo da terra estava o abismo ou os infernos.

Figura: Imagem captada pelo telescópio espacial Hubble, em que cada um dos pontos luminosos representam uma dos 2 trilhões de galáxias que compõem o universo observável. Cada galáxia contém centenas de bilhões de estrelas.

"Eles voluntariamente ignoram isto, que pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste." (2 Pedro 3:5).

A Bíblia (cujo nome grego já indica) é composta por livros, de vários estilos e escritos em épocas variadas, por diversos autores. Entre os especialistas as opiniões são diversas sobre quando a Bíblia começou a ser compilada. Alguns acreditam que tenha sido por volta do séc. VIII a.C. quando ascenderam pequenos reinados tanto na parte norte, como no sul da Palestina, embora ela possa conter materiais que remontam ao século XIII a.C.. Os últimos escritos a entrar na composição da Bíblia, (o Apocalipse, o Evangelho e as Cartas de João) foram escritos na passagem do primeiro para o segundo século da era cristã. Os estilos literários presentes na Bíblia são diversos: textos narrativos (como os livros dos Reis e dos Atos dos Apóstolos), textos legislativos (como o Deuteronômio), poemas (como o Cântico dos Cânticos), cartas (como Gálatas e 1 e 2 Tessalonicenses), orações (como os Salmos), entre outros... logo devem ser lidos levando-se em conta seu gênero literário. Enquanto obra literária, cada livro da Bíblia, tem portanto, autores que tinham seus objetivos e destinatários, além de estarem situados dentro de um contexto histórico, geográfico e cultural. (1)
Em vista disso, a Ciência Bíblica analisa os textos bíblicos a partir de duas abordagens: a Exegese: que procura conhecer os aspectos originários dos textos e de sua formação, os termos linguísticos, o contexto vital, o contexto literário, ou seja usa de diversas ferramentas linguísticas, filológicas e históricas em busca de entender o sentido original do texto; e  a Hermenêutica: a interpretação dos textos e sua aplicabilidade às demandas atuais.
No que se refere à Bíblia, quando se trata do diálogo entre fé e ciência existem dois extremos: do lado da fé, extrema é a posição de que tudo o que está na Bíblia se trata de verdades absolutas e imutáveis, sejam elas afirmações no campo teológico, como também no campo da história ou a respeito da constituição do mundo natural. Do lado dos cientistas, o extremo é desprover a Bíblia de qualquer valor, já que ela contém contradições internas e erros ante os dados provenientes da pesquisa científica.
Para clarear essa questão, seria relevante refletir sobre o que realmente é a Bíblia, pois alguns problemas surgem a partir do momento que se confere um valor elevado ou ínfimo demais a esta obra literária.
A Bíblia, diferentemente do Corão, não é um livro considerado de origem imediatamente divina. A teologia cristã considera que a Bíblia tem uma mediação humana. A Bíblia é uma coleção de vários escritos de vários gêneros literários referentes à experiência da relação dialogal do povo hebreu com o seu Deus. E, como qualquer conhecimento, o conhecimento sobre Deus, sempre será dependente do estágio de desenvolvimento cultural em que se desenvolve. Subjacente à Bíblia está uma visão de mundo produzida por uma cultura específica, a cultura hebraica, ou do oriente médio, produzida pela observação e pela imaginação, ou seja pelo mesmo espírito humano que hoje se utiliza das ferramentas da ciência para compreender o vasto universo.
A Revelação de Deus na Bíblia é algo processual. A teologia também não é estática. Mas uma premissa básica para qualquer crente é que o mundo é uma obra de Deus. Outra premissa é que Deus é bom. Logo o universo que criou fala da identidade de seu criador, e Deus, sendo bom, não criou este universo como simulacro, como uma ilusão para que nos perdêssemos em busca dele. Isso significa que nossa compreensão sobre Deus pode crescer tanto mais possamos conhecer os dois livros que falam dele: o conjunto de livros que compõem a Bíblia, e o livro da natureza, a sua criação, e dentro dela o espírito humano (sua imagem e semelhança).
Um cientista honesto, por sua vez, saberá que nenhum dado das ciências da natureza poderá comprovar Deus, nem tampouco negá-lo. Saberá dos limites e das premissas filosóficas que estão na base da produção do conhecimento científico, dos princípios da falsificabilidade (Popper) e das revoluções científicas (Kuhn), do caráter transitório das afirmações científicas. Saberá que os dados produzidos por ele não podem acessar o campo da metafísica, que é outro tipo de discurso. E no campo da sua subjetividade poderá de livre vontade lançar-se ou não numa experiência de fé, que lhe pode ajudar na busca de sentido, e nas reflexões inacessíveis à ciência, acerca da intencionalidade da vida, e da existência.
A Ciência não tem obrigação de fazer depender suas descobertas da doutrina bíblica (graças a Deus a Idade Média já passou). E também a Bíblia não irá sempre se harmonizar com a ciência atual, já que ela foi escrita dentro de outros parâmetros culturais, de outra visão de mundo, por isso deveríamos ser mais complacentes com ela. Mas também, os conhecimentos provenientes das Escrituras, e os que provém das ciências da natureza não necessariamente precisam se excluir mutuamente.
Para aquele que pretende ter uma visão ampla, contemplando tanto a Bíblia, como as descobertas científicas, o caminho é perceber estas duas áreas como complementares. Poderá salvaguardar aquelas informações da Bíblia que são essenciais: a saber a existência de Deus, o seu desígnio criador, a Salvação em Jesus Cristo, ou seja, afirmações de ordem teológica. Como também tomar parte naquilo que a ciência está descobrindo acerca da história e da constituição do nosso universo, do mundo vivo, da mente humana e das sociedades, procurando enxergar os traços condutores daquele espírito divino revelado pelas Escrituras em cada uma de suas obras. O caminho não é portanto, nem uma harmonização forçada entre Bíblia e Ciência, nem um questionamento radical da Bíblia a partir da Ciência, mas um diálogo frutuoso entre esses dois campos do conhecimento.



(1)
Vou dar um exemplo, quando Paulo escreveu a sua primeira carta aos Coríntios, ele tinha como destinatários as pessoas da cidade grega de Corinto, que haviam abraçado a fé cristã, escreve, portanto, na perspectiva dos problemas e questões presentes naquela comunidade. Ele não podia saber que um dia aquele escrito seria lido por cristãos do mundo inteiro, vinte séculos depois. Ele a escreveu com base em seu conhecimento e seu estágio de fé naquele momento, em uma língua com termos próprios de uma região e de uma época. Isso não significa que os ensinamentos ali presentes não continuem a ser relevantes, mas se quisermos ser fiéis ao texto, não podemos deixar de levar em conta a sua intenção original. E afinal, como esta carta veio a compor parte da Bíblia? A comunidade de Corinto a preservou como memória do referido apóstolo, e dada a relevância dos ensinamentos, o texto foi replicado e adotado também por outras igrejas. Posteriormente, os teólogos e autoridades da igreja se posicionaram, considerando o mesmo como parte dos textos canônicos. Assim se percebe que a formação da lista dos textos bíblicos faz parte de um processo histórico. A Bíblia não nasceu pronta.


Bibliografia consultada

O principio de todas as coisas. Hans Kung. Vozes, 2007.
Que É Ciência Afinal? A. F. Chalmers. Saraiva. 2003.
A Bíblia sem mitos. Eduardo Arens. Paulus, 2007.
Arqueologia das terras da Bíblia I e II. José Ademar Kaefer. Paulus. 2015.

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