Messianismos em Israel e o messianismo de Jesus

Reflexão a partir da leitura de:



FABRY, Heinz-Josef; SCHOLTISSEK, Klaus. O Messias. São Paulo: Loyola, 2008.

A palavra “messias” originalmente diz respeito ao rito de unção destinado aos reis, sacerdotes e objetos de culto, indicando escolha e pertencimento à divindade (consagração). A utilização do termo “messias” em torno à expectativa de um líder benevolente e justo, se deu particularmente em momentos de crises e calamidades. “Cristo” é a tradução grega do termo hebraico “messias”.

Segundo Fabry e Scholtssek "a designação "mashiah" representa no Antigo Testamento uma qualificação para pessoas históricas: rei, sumos sacerdotes, profetas. No período exílico e pós-exílico o conceito passou do rei para o sacerdócio depois que a monarquia foi desempossada pelos babilônios e a sucessão davídica interrompida" (p. 71).

Fabry e Scholtssek após analisar os perfis messiânicos intencionados na Bíblia Hebraica, no período intertestamentário e no Judaísmo primitivo, verifica expectativas variadas que dizem respeito a um Messias histórico ou escatológico, individual ou coletivo que não podem definitivamente ser uma fundamentação precisa do messianismo de Jesus.

A utilização do termo “messias” por volta do século primeiro antes de Cristo se dá em círculos judeus de língua aramaica resultando “num feixe tão abrangente de tradições messiânicas que se tornou impossível uma concentração numa expectativa Messiânica única e clara” (p. 72).

As pregações de João Batista e de Jesus em vistas da chegada iminente do Reino de Deus, conforme registram os evangelhos, sem dúvida geraram, em círculos variados, mas principalmente na classe pobre, uma tensão sobre a expectativa messiânica/escatológica, mas que veio a se desenvolver com contornos bastante peculiares.

É possível afirmar que há elementos messiânicos presentes já na atuação histórica de Jesus: ao passo que Jesus não se identifica como o Messias esperado, tampouco rejeita esta nomenclatura e afins tais como o de “filho de Davi”. Por outro lado,  faz uso do título de Filho do Homem (personagem de Dn 7,13-14 de cunho coletivo a quem se destina o domínio da terra), ou pelo menos, Jesus entende implantar, com seus gestos e sua pregação, o Reinado de Deus.

O recurso literário de Marcos em torno ao segredo messiânico, bem como a narrativa da profissão de Pedro com a posterior chamada de atenção por parte do Mestre, parece contemplar o fato de que Jesus aceita em certa medida o termo Messias, mas os contornos tradicionais são rejeitados, talvez pela aproximação percebida por Jesus de um fim trágico, fazendo com que o entendimento total acerca do seu messianismo só pode ser dado, por meio dos receptores posteriores da fé, em vista dos acontecimentos pascais.

“Como é historicamente improvável que uma transferência do título de Messias para Jesus tenha ocorrido apenas após a Páscoa, este título não é apropriado para interpretar uma vida que visa a morte e a ressurreição, sugere-se contar com uma aplicação pré-pascal das expectativas messiânicas e com o confronto de Jesus com elas. [...] [De modo que] as expectativas messiânicas disponíveis não foram simplesmente cumpridas por Jesus” (p. 85).

Os discípulos de Jesus, a partir de elementos já presentes na atuação histórica de Jesus, e no significado salvífico atribuído ao fim de sua vida terrena e a fé na ressurreição, fundaram um novo messianismo, relendo sua vida a partir das escrituras hebraicas, levando em conta textos não necessariamente de cunho messiânico, como a do servo sofredor de Isaías (Is 53) e certos salmos. Assim se observa, por exemplo, na narrativa da aparição aos discípulos de Emaús, ou na pregação querigmatica no livro de Atos dos Apóstolos.

O termo “Cristo”, como predicativo de Jesus, ou mesmo como verbete substitutivo ao nome do Nazareno, encontra-se já nos escritos cristãos mais antigos, a saber, as cartas de Paulo. Podendo ser justamente o ex-fariseu de Tarso, aquele que pôde mensurar, delinear e desenvolver as nuances da messianidade de Jesus,  tais como o alcance de sua morte-ressurreição de Jesus, a salvação dos pecados, a universalidade do efeito salvífico, da segunda vinda, do senhorio cósmico. Os evangelhos por sua vez revisitam e recriam narrativas referentes a vida do mestre de Nazaré que servem como símbolo de sua obra messiânica.

Dessa forma, Fabry e Scholtssek entendem que “no cristianismo primitivo há uma inovação histórico-linguística a respeito do Cristo, que contudo se realiza por transformação de uma concepção dada” (p.82). Assim, fica posto que há uma conexão entre a interpretação messiânica dos discípulos de Jesus quanto a sua messianidade e a expectativa messiânica acumulada e diversificada a partir da matriz judaica, no entanto a semântica cristã quanto ao messianismo se desenvolve com um grau exacerbado de inovação.

O horizonte de significado possível no início do primeiro século no tocante ao personagem “messias” se dá como expectativa do reinado deste sobre Israel, garantindo a sua independência em relação ás demais nações. Ainda que não se possa afirmar em definitivo a ausência de pretensões de ordem política por parte de Jesus, a acusação estampada em sua cruz (Jesus Nazareno, rei dos Judeus) evidencia pelo menos que estas foram entendidas como tal pelas autoridade judiciais. E nesse sentido, a cruz é um instrumento de irrisão, de contorno irônico-trágico.

Ante a expectativa vigente, a cruz se evidenciaria como total frustração, todavia na ótica dos seguidores de Jesus, converte-se numa semântica redentora: “Na medida em que determinada concepção messiânica (a do rei equipado com poder terreno extraordinário, que se impõe militarmente) fracassa na cruz de Jesus, surge lugar para uma nova compreensão da messianidade de Jesus” (p. 104). E ainda “justamente o escandaloso caminho de sofrimento de Jesus é agora compreendido como serviço messiânico pela redenção dos homens”.

O termo “messias” tem origem nas tradições israelitas, vindo a comportar no imaginário de determinadas vertentes judaítas, na passagem do primeiro milênio, uma expectativa sob diversas modalidades (rei, sacerdote, profeta, personagem histórico/escatológico) de uma intervenção salvadora. A atuação de Jesus, precedida pela de João Batista, provocou uma expectativa messiânica, não desautorizada pelo nazareno. O desfecho da vida de Jesus que teria um significado frustrante, em vistas da fé na sua ressurreição, deu margem ao desenvolvimento de um significado inédito para a compreensão messiânica desenvolvida pelos crentes. Assim, podemos afirmar que o termo “Cristo” atribuído a Jesus pelos crentes, embora tenha um fundamento nas expectativas israelitas em torno a personagens messiânicos, se trata outrossim de uma compreensão inédita em torno a este tema.



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