EXÍLIO BABILÔNICO E ISOLAMENTO SOCIAL: A REINVENÇÃO DO CRER


O exílio na Babilônia foi um dos momentos mais traumáticos da história judaica, mas também um momento de forte redefinição de alguns aspectos da relação dos hebreus com seu Deus. No contexto atual, em que a pandemia da Covid-19 impediu as reuniões religiosas, que mudanças podem acontecer em nossa forma de relacionarmo-nos com Deus?
O que foi o exílio? O Reino de Judá, submetido ao domínio dos babilônios, sofreu duas grandes deportações de sua população, no ano 598 a.C. e depois em 587 a.C.. Os judeus permaneceram na Babilônia até o ano de 538 a.C, distantes de sua terra, de sua cultura e de suas práticas religiosas e submetidos à servidão, sendo autorizados a retornar somente em 538, a.C. pelo édito de Ciro, rei da Pérsia.
Neste tempo, os judeus exilados não se deixaram diluir na sociedade e culturas babilônicas, mas se organizaram em comunidades, voltando sua atenção para seus escritos sagrados, buscando compreender o motivo pelo qual chegaram àquela situação deplorável. Alguns não encontraram mais motivos para continuar crendo em Yahweh, enquanto outros procuraram redefinir a essência de sua fé. No pós-exílio, o estudo e a prática da Lei passaram a ter um valor maior diante dos sacrifícios do Templo, que outrora eram elementos dominantes de sua relação com Deus.
Estamos vivendo uma pandemia global, causada por um vírus bastante contagioso, que forçou a suspensão de atividades que geram aglomeração de pessoas, e entre elas, as reuniões de caráter religioso, sejam cultos, palestras, missas e catequeses. De certa forma ficamos"exilados" dentro de nossas casas, sem a possibilidade de frequentar igrejas e se reunir em comunidade presencialmente.
As instituições religiosas, como as demais instâncias da sociedade, precisaram se reinventar. A reação imediata, ou o efeito colateral, do fechamento dos templos, foi o incremento na transmissão de conteúdos pelos recursos de comunicação disponíveis, principalmente pelas redes sociais. Surgiram também diversas campanhas visando ajudar os mais vulneráveis. A casa tornou-se o lugar de proteção, e a família como o inevitável campo do cuidado e da ajuda mútua, da oração em comum, e com o aumento da interação, houve também o aumento dos conflitos, dos embates, mas também da necessária reconciliação.
Cabe fazer um parêntese sobre a relação entre Deus e a natureza. Deus pode ser responsabilizado pelos males, doenças e pragas como a que estamos vivendo? Será que estamos sendo castigados, ou que estamos nos aproximando do final dos tempos?
A Palavra de Deus nos ensina de que por tudo devemos dar graças (1Ts 5,18), e que “todas as coisas cooperam para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28). Tudo é providência de Deus, isso não quer dizer que Deus quer deliberadamente tudo aquilo que acontece no mundo, ou que Deus se compraz com a morte e o sofrimento para simplesmente levar a um bem maior, mas sim que tudo ocorre dentro da autonomia das forças da natureza e da liberdade humana que Deus nos doou irrevogavelmente.
Mesmo assim, diante de toda crise, podemos avançar em nossa compreensão de Deus e sobre nosso modo de agir diante dele, diante da vida e de nossas relações sociais.
É provável que a pandemia reforce a vivência aparente e virtual da religião que já vinha crescendo, ou que simplesmente, possamos com o fim dela, retomar as atividades religiosas normais, sem maiores mudanças de postura. Contudo, o efeito mais contundente que esta crise pode nos levar, neste campo, é levar-nos a refletir sobre a primazia de Deus, o valor inestimável da vida, a consciência de coletividade e o elemento “casa” e “família” como fator de associação e proteção. O coronavírus atacou um elemento primordial da fé que é a agregação de pessoas em locais dedicados ao culto, mas por outro lado colocou outros em evidência.
Espero que possamos voltar a nos reunirmos e celebrar o louvor de Deus em comunidade, mas que possamos também estar conscientes dos ensinamentos possibilitados por esta pandemia: que o acesso a Deus supera as formas particulares de culto, que é um dever sagrado preservar a vida, ser solidários com quem mais precisa, e cultivar uma boa convivência familiar, que saibamos que o bem de todos depende do bem de cada um, que somos uma humanidade só, independente de fronteiras e crenças. Se o Exílio proporcionou um avanço na compreensão de Deus e de como relacionar-se com ele, que a pandemia do novo coronavírus possa também nos proporcionar uma compreensão mais profunda da vivência da experiência de fé nos dias que hão de vir.

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