7 pecados da vida espiritual

A obra “Noite Escura da Alma” é um clássico da espiritualidade cristã de autoria de Juan de la Cruz, frade carmelita espanhol que viveu no século XVI. O livro Apresenta o “Poema da alma”, e a explicação deste em duas partes: a noite dos sentidos e a noite do espírito.
Como prólogo, o autor expõe alguns erros de principiantes em suas jornadas espirituais, os pecados capitais da vida espiritual. De modo geral tratam-se de empecilhos que o principiante pode encontrar no seu caminho místico. O que a seus olhos pode passar por virtude, quando busca na oração algum tipo de glória e fervor sensível, mas na verdade são defeitos que devem ser purificados pela noite dos sentidos e pela noite do espírito, para que possam realmente atingir a perfeição.
Pinçarei alguns trechos da obra e reproduzirei a seguir visando esclarecer em que consistem tais pecados capitais da vida espiritual.

Soberba espiritual
"Há principiantes que sentem-se tão fervorosos e diligentes nas coisas espirituais e exercícios devotos, que, — embora as coisas santas de si humilhem, — devido à imperfeição deles, muitas vezes lhes nasce certo ramo de soberba oculta, de onde vêm a ter alguma satisfação de suas obras e de si mesmos. Nasce-lhes também certa vontade algo vã, e às vezes muito vã, de falar sobre assuntos espirituais diante de outras pessoas, e ainda, às vezes, de ensiná-los mais do que de aprendê-los. Condenam em seu coração a outros quando não os veem com o modo de devoção que eles queriam, e chegam até a dizê-lo claramente. Ternam-se semelhantes ao fariseu que, louvando a Deus, se gabava das obras que fazia, enquanto desprezava o publicano."

Avareza espiritual
"Há aqueles que não se contentam com o espírito que Deus lhes dá; andam muito desconsolados e queixosos por não acharem, nas coisas espirituais, o consolo desejado. Muitos nunca se fartam de ouvir conselhos e de aprender regras de vida espiritual; querem ter sempre grande cópia de livros sobre este assunto. Vai-se-lhes o tempo na leitura, mais que em se exercitarem na mortificação e perfeição da pobreza interior do espírito, como deveriam. Além disto, carregam-se de imagens e rosários bem curiosos; ora deixam uns, ora tomam outros; vivem a trocá-los e destrocá-los; querem-nos, já desta maneira, já daquela outra, afeiçoando-se mais a esta cruz do que àquela, por lhes parecer mais interessante. Também vereis a outros bem munidos de Agnus Dei, relíquias e santinhos, como as crianças com brinquedos. Condeno, em tudo isto, a propriedade do coração e o apego ao modo, número e curiosidades destas coisas; pois esta maneira de agir é muito contrária à pobreza de espírito, que só põe os olhos na substância da devoção, e se aproveita somente do que lhe serve para tal fim, cansando-se de tudo o mais. A verdadeira piedade há de brotar do coração, firmando-se na verdade e solidez, significadas nestas coisas espirituais; o resto é apego e propriedade de imperfeição, que é necessário cortar, a fim de atingir algo da perfeição.

Luxúria espiritual
“Como gozam o espírito e sentido por aquela recreação, cada parte do homem se move a deleitar-se segundo sua capacidade e propriedade.” Pode ocorrer de alguém passar a buscar a vida espiritual visando às experiências sensíveis que dela se obtém, o que não deve ser o autêntico foco do contemplativo.

Ira espiritual
"Por causa da concupiscência nos gostos espirituais, muitos principiantes, ordinariamente, os possuem com muitas imperfeições quanto ao vício da ira. Ao se lhes acabar o sabor e gosto nas coisas espirituais, acham-se naturalmente desabridos, e, com aquela falta de gosto que têm na alma, ficam mal-humorados; por isto, se encolerizam com muita facilidade por qualquer ninharia e chegam a ponto de se tornarem intratáveis. Isto sucede, muitas vezes, após terem gozado de muito recolhimento sensível na oração; em se lhes acabando aquele gosto e sabor, fica-lhes o humor muito desgostoso e contrariado, como a criança quando a apartam do peito em que estava gozando à sua vontade. Nesse sentimento da natureza, — contanto que as almas não se deixem dominar por ele, — não há culpa, mas somente imperfeição, e esta se há de purificar pela secura e angústia da noite escura."
"Há também outros, destes espirituais, que caem em outra maneira de ira espiritual. É quando se irritam contra os vícios com certo zelo inquieto, mostrando-os ao próximo; chegam a ter ímpetos de repreender os outros com muito mau modo, e algumas vezes assim o fazem, como se somente eles fossem senhores da virtude. Faltam assim à mansidão espiritual."
"Há também diversos que, vendo-se imperfeitos, zangam-se consigo mesmos, com impaciência pouco humilde; e chega a ser tão grande essa impaciência contra suas imperfeições, que quereriam ser santos num só dia. Desta qualidade há muitas almas que prometem muito e fazem grandes propósitos; mas, como não são humildes, nem desconfiam de si, quanto mais propõem, tanto mais vão faltando, e na mesma proporção se aborrecem. Não têm paciência para esperar que Deus lhes dê a graça quando Ele for servido. Este modo de proceder é também contrário à mansidão espiritual; mas só poderá ser totalmente remediado, pela purificação da noite escura. Existem, no entanto, pessoas que, em seu desejo de progresso espiritual, andam com muito mais paciência do que Deus quereria ver nelas."

Gula espiritual
"Por causa do sabor encontrado, a princípio, nos exercícios espirituais. Muitas pessoas, enlevadas com este sabor e gosto, procuram mais o deleite do que a pureza e discrição de espírito visada e aceita por Deus em todo o caminho espiritual. Além das imperfeições em pretender estes deleites, a gula desses principiantes lhes faz exceder os limites convenientes, afastando-se do justo meio no qual as virtudes se adquirem e fortalecem. Atraídos pelo gosto experimentado em suas devoções, alguns se matam de penitências; outros se enfraquecem com jejuns, indo além do que a sua debilidade natural pode suportar. Agem sem ordem nem conselho de outrem; furtam o corpo à obediência, à qual se deviam sujeitar; chegam até ao ponto de agir contrariamente ao que lhes foi mandado."

Inveja espiritual
"Quanto à inveja, muitos costumam sentir movimentos de pesar com o proveito espiritual dos outros; experimentam uma pena sensível quando veem outras almas passar-lhes à frente no caminho espiritual, e não querem que, por esse motivo, sejam louvadas. Sentem tristeza com as virtudes alheias, e às vezes não podem mesmo suportar esses louvores ao próximo sem que procurem desfazê-los o mais possível. Ficam com o olho grande, como se costuma dizer, por não receberem os mesmos elogios, porque todo o seu desejo é de serem preferidos em tudo. Tais sentimentos são muito opostos à caridade que, como diz São Paulo, se alegra com a bondade (1 Cor 13, 6)."

Preguiça espiritual
"Os principiantes são tomados, muitas vezes, de tédio nas coisas que são mais espirituais, e delas procuram fugir, por não encontrarem aí consolações  sensíveis. Como estão presos ao gosto sensível nos exercícios espirituais, em lhes faltando esse gosto, tudo lhes causa fastio. Quando alguma vez não encontram na oração aquele sabor que o seu apetite desejava, — porque, enfim, convém sejam privados de tais consolações por Deus, que deste modo os quer provar, — não querem mais voltar a ela; chegam mesmo a abandonar a oração, ou a fazê-la de má vontade. Esta preguiça leva os principiantes a deixarem atrás o caminho de perfeição, — que consiste na abnegação da própria vontade e gosto por amor de Deus, — para buscarem o gosto e sabor do que lhe agrada; e assim procuram satisfazer mais a sua vontade que a de Deus."

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