O Cristo amputado?

Herdamos do pensamento gestado na Grécia Antiga a ideia de que a realidade seja seccionada, subdividida. Aristóteles, filósofo brilhante, foi capaz de sistematizar o conhecimento de sua época, subdividindo o mundo em partes e distribuindo as partes artificiais entre as ciências existentes, daí temos: a física estuda os objetos físicos, a biologia, os seres vivos, havia um mundo físico e um mundo metafísico, e assim por diante. Nossa mente está moldada por este modo grego de pensar. Tal mentalidade tem reflexos também na religião e na religiosidade.
Nos primeiros séculos de Cristianismo houve a conhecida discussão sobre quem era o Cristo: se era Deus ou um simples homem, ou mesmo Deus disfarçado de homem. Nessa discussão foi utilizado o termo filosófico “natureza”. Qual era a “natureza” de Cristo, humana ou divina? Graças aos esforços intelectuais dos chamados “padres da igreja” não foi à frente a ideia do prevalecimento de uma dessas “naturezas” sobre a outra. Os padres defenderam que em Cristo existiam as duas naturezas (humana e divina) e que estas estavam unidas inseparavelmente numa “união hipostática”, ideia que prevalece desde então.
O que foi conseguido com grande esforço no campo da teologia, ver o Cristo como um todo, não é o que ocorre no campo das devoções (e o que os pastores tem feito quanto a isso?). São muitas as devoções que privilegiam um atributo ou mesmo uma parte de seu corpo, tais como: o Nome, a Misericórdia, o Sangue, o Corpo, o Coração, a Face, as Mãos, as Chagas, o Ombro e assim por diante. O que percebo é que parece mais fácil ser devoto de um atributo de Cristo que favorece com graças particulares, por exemplo, do que aderir à sua proposta como um todo, que tem inclusive um forte apelo político e social.
Reconheço que aqui não atento para a realidade histórica de cada uma dessas devoções, as quais devem ter uma razão de ser. Também não quero aqui desqualificar o valor das devoções populares ou das revelações particulares.
Todavia acredito que a nossa postura diante de Jesus Cristo não deva ser tanto de devoção de um aspecto seu em detrimento de outros, mas proponho o seguimento e a adoração de Jesus Cristo como um todo, especialmente o que dele se conhece no Evangelho. Se as devoções, por seu caráter simbólico, tinham papel importantíssimo em tempos em que boa parte das pessoas não tinham acesso à Bíblia, convém hoje despertar nos cristãos uma visão mais abrangente da pessoa e da proposta de Jesus.



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